Tenho um ritual matinal que me persegue há anos. Até já tentei mudá-lo – sair para fazer ginástica por exemplo (hahahaha), ou para tirar fotos aproveitando a luz das seis da madruga (gargalhada aqui), ou até levantando/se arrumando/tomando café como a maioria das pessoas – mas não adianta, ele se agarrou em mim como carrapato.
Meu ritual é o seguinte: acordo, leio e depois de mais ou menos uma hora de leitura meu dia realmente pode começar. O que significa que tiro o pijama horas depois do ser humano normal e que, aquela coisa de trabalhar cedo nunca funcionou para mim. Tenho inclusive uma cicatriz de um tombo que levei às 7:10 (exatamente) da manhã. Minha memória é horrorosa mas vou me lembrar desse dia para o resto da minha vida. Pus o relógio para despertar às 6:00, levantei às 6:20 tomei banho em 5 min, me vesti em 10, pulei no ônibus e lá estava eu às 7:01 na recepção esperando para dar a minha primeira aula matinal. Cinco minutos depois a secretária me avisou que meu aluno estava em reunião e não ia ter aula (reunião, às 7 da madrugada?). Cinco minutos depois eu estava espatifada no chão me perguntando o que eu tinha quebrado. Dez minutos depois estava no ônibus com o sangue escorrendo do joelho, chorando e pondo como objetivo de vida não acordar cedo nunca mais.
Vinte anos depois, estou aqui saboreando o luxo de poder finalmente ter esse tempinho matinal para ler. E hoje resolvi mudar um pouco o ritual pois deu vontade de escrever aqui no blog sobre umas idéias que me vieram durante minha leitura.
Comecei lendo um artigo bobo, desses que popularizam pesquisas mas que não dizem nada a mais do que o título indica, que não posso nem citar aqui pois não lembro onde li. Dizia que estudos ligavam a maneira como uma pessoa ri ao seu nível social. As pessoas mais populares riem mais alto e estão mais à vontade com seu riso. Esse tipo de obviedade. Percebi então que nunca tinha escutado um riso alto, de mulher, no Japão.
O japonês fala baixo em geral. E foi a primeira coisa que constatei, e que me impressionou muito, quando cheguei aqui. Nos lugares públicos não há aquele escarcéu típico de nossas sociedades latinas, ou até das asiáticas, o Japão é exceção no quesito barulho. Ninguém grita na rua para chamar, nunca ouvi um assovio, nos parques lotados no fim de semana dá pra “escutar” o silêncio. É proibido falar no telefone nos transportes públicos e as pessoas que conversam sussurram, ou seja, dá até pra relaxar e dormir no translado casa/trabalho (é super comum ver japoneses tirando uma sonequinha gostosa no metrô). Nos cafés e restaurantes não há aquele vozerio. Umas das únicas exceções são os Izakaya, que são bares típicos japoneses onde as pessoas vão depois do trabalho para beber e petiscar entre colegas. Ali, já escutei japoneses rirem relativamente alto, mas nunca mulheres. Até nos lugares em que o álcool ajuda, é raríssimo ver japonesas gargalhando.
Ei gente, nada de generalizações ok? Claro que há exceções, conheci uma japonesa que ri normalmente, ou seja, emitindo aquele HAHAHAHA gostoso que nos faz rir também, mesmo se não entendemos a piada. Mas ela morou fora, talvez isso influencie. Em geral, escuto um hihihi baixinho vindo das mulheres, e claro com a mão na frente da boca escondendo sei lá o quê.
Um hihihihi de menina, um hihihi meio cor-de-rosa, daqueles que dá vontade de assassinar Hello Kitty.
Talvez seja apenas uma questão de timidez (tá bom), talvez (quase com certeza) seja uma questão de educação: aquela que faz as meninas serem coisinhas – divertidinhas – bonitinhas – rosinhas e que cala nosso instinto de leoa, nosso mega rugido. Infelizmente, das mulheres que conheci nesses dois anos aqui, eu diria que 80% permanece menina rosinha e fofinha até uns 50 anos. Depois ela vira velha, com atitude de velha. Meio sábia, meio dane-se, bem mais interessante. A passagem entre menina e mulher, para mim, parece não existir. A mulher seria a mãe, maybe, mas esse assunto é um prato cheio e merece outro texto. Mas sinceramente eu vejo as mães aqui meio rosinhas, meio fofinhas, meio hihihihi com a mão na frente da boca.
Conheci uma mulher de 60 anos que me disse que agora que estava velha – pasmei – ela podia sair de casa com as amigas à noite. Podia, ou seja, o marido permitia. Re-pasmei. Virou mulher, se libertou.
Graças à Deusa gente, isso está mudando, conheci várias mulheres tentando sair da fôrma, tentando se destacar. Elas ralam muito, ganham bem menos que os homens e tem uma dificuldade incrível de encontrar um companheiro que as aceite, como são, com suas vozes de mulher. E quando conseguem chegar no topo da pyrâmide, são super estigmatizadas. Ouvi falar de uma mulher que é diretora na indústria (a única da empresa): todo mundo critica a fulana. Quando digo todo mundo é todo mundo mesmo, da secretárias aos diretores. Perguntei por que não gostavam dela e as respostas se resumiram a “ela é arrogante”, “mandona (bossy)”, “desagradável” (deve provavelmente rir fazendo barulho), ou seja, qualidades que seriam positivas em um chefe homem.
Queria terminar esse texto com uma nota positiva mas não consigo, me desculpem. Talvez uma piadinha para dar uma leveza na coisa? Lembrei que ri ontem ao ver um documentário sobre um japonês que vive com uma boneca do tamanho de uma mulher. Excelente imitação, bem bonitinha, sério, perfeita, de longe dá até para confundir com um ser humano. Ele sai com ela de cadeiras de rodas (não é um robô, é de plástico mesmo), “conversa” com ela na rua, tira fotos dela nos lugares turísticos. Disse preferir sua boneca à uma esposa convencional pois as mulheres japonesas são, segundo ele, muito distantes. Gargalhei. Mas acho que foi de nervoso.
Oie. 1- Bicho preguiça 2- kkkkkkkkk matar Hello Kitty. Morri de rir.
Em 5 de jul de 2017 12:46 AM, “Essa coisa de escrever” escreveu:
> Marcela Meirelles posted: ” Tenho um ritual matinal que me persegue há > anos. Até já tentei mudá-lo – sair para fazer ginástica por exemplo > (hahahaha), ou para tirar fotos aproveitando a luz das seis da madruga > (gargalhada aqui), ou até levantando/se arrumando/tomando café como a ma” >
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Raul, levei uma bronca do J. que me disse: agora todo mundo vai saber que você é uma preguiçosa… Mas enfim, posso acordar tarde e trabalhar até a meia noite, não? Sobre os Hello Kitty: tô pensando em algo aqui… à seguir… Beijos!
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Menina, já tem dois anos que vc está no Japão? Como o tempo voou! Adoro teus textos. E as duas vezes que bati o carro no portão foi quando saí cedo demais e sem café na veia.
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Dois anos em setembro… Tempo voa muito e eu tenho a impressão que ainda não deu tempo de fazer nada aqui!
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Demais os teus textos Marcela.Ja ouvi, mesmo aqui, que rir alto é falta de educação, mas sinceramente, penso na sensação de explodir de rir, daquela risada que faz sair lágrimas dos olhos, e isso simplesmente não pode ser errado,algo que faz tão bem….
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Uma gargalhada faz tão bem né?!
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