Sabe aquele vídeo que aparece muito nas redes sociais sobre como a escola japonesa está entre as melhores do mundo? Pois é, ele me incomoda um pouco. Não que haja algo errado no que é dito, o vídeo é bem feito, diz a verdade. Diz uma verdade. Diz uma verdade bem cor de rosa.
Sim, antes de aprender a escrever o aluno aprende cidadania. Ele aprende a respeitar os outros e a viver em sociedade. Daí, nós brasileiros, com toda nossa moral de pós graduados no exterior já achamos o máximo. Enchemos nosso peito e vamos lá tacar o pau nos brasileiros que não fazem fila, jogam o lixo na rua, não cuidam do que é público, não respeitam nada etc e tal. E tudo é culpa da escola. Da educação. Do governo. Da Xuxa. Mas principalmente da escola.
– Ei, peraí, essa moça tá dizendo que é contra ensinar cidadania na escola?
Não gente. Não é isso. Fui professora de educação cívica numa escola francesa e acho que esse tipo de matéria é essencial na formação dos futuros cidadãos. Foi nas salas de aula da Suíça, quando era criança, que aprendi como viver em sociedade, por que era preciso reciclar o lixo, por que era preciso votar, como o sistema político funcionava, o que era o capitalismo, o que era o comunismo, as diferenças básicas entre as três religiões do livro… Aprendi também sobre uso de preservativo, AIDS e sexo na adolescência. Tudo isso nas aulas de educação cívica. E agora José? Com todos esses movimentos conservadores se enraizando em nossa sociedade, estamos prontos, no Brasil, para falar dos ismos na escola? De todos eles? Inclusive do comunismo? Mas aí gente, o pessoal da escola sem partido vai surtar…
– Mas então se a gente só ensinar os brasileirinhos a serem mais educados, a respeitarem a fila, a dizerem por favor e a não jogarem o lixo na rua? Só ensinar uma parte da coisa, sabe?
Bem, daí entramos naquela matéria da época do Getúlio, a famosa Educação Moral e Cívica… que no governo militar moldou o tal do cidadão do bem. Aquele cidadão da família (católica) e da pátria. Brrrr, frio na coluna.
– Mas no Japão funciona….
Ainda não trabalhei numa escola japonesa. Digo ainda pois, morando aqui há quase dois anos, quero muito trabalhar numa escola japonesa para ver de dentro. Quero muito entre aspas pois nunca mando o tal do curriculum vitae… Portanto não posso dar detalhes de como essa formação cidadã funciona – ainda – mas a impressão que tenho é que ela ensina como viver em sociedade, opa, não, como viver na sociedade japonesa, sem questionar. Ou seja, ela só ensina uma parte, exatamente como nossa antiga Educação Moral e Cívica…
– E funciona?
Muito. O japonês não sai da linha. Ele é educado. Ele respeita o outro. Ele faz a coisa pública passar antes da privada. Ele pensa na sociedade antes de pensar nele. Ele só atravessa no sinal. Ele segue as regras. Ele aprendeu que a sociedade japonesa é a certa. Que você tem que respeitar a hierarquia. O chefe. O professor. O governo. Ele não questiona, nunca.
– E aquela criança que é diferente, o que acontece com ela?
Bullying… Infelizmente comum nas escolas por aqui. Inclusive da parte dos professores. Lendo as noticias locais ultimamente são incontáveis o número de casos de professores acusados de abusar dos castigos, de discriminar alunos, de apontar a diferença.
Suicídio… Infelizmente comum entre crianças e adolescentes aqui. Existe até uma cartilha do suicídio limpo, que explica como se matar sem sujar o ambiente. Veja, se você se joga na frente de um trem, suja. E quem limpa, ou paga para limpar, é a família. E a conta é cara. Por isso a tal da cartilha que define o modo apropriado de se matar. Para que sua morte impacte o menos possível na sociedade. Para que ela não incomode o seu vizinho.
Viu? Não é tão simples assim. O sistema japonês também tem seu dark side…
“Usam o uniforme que deixa o ambiente mais sério” diz o tal do vídeo. Não gente, usam uniforme para ficarem uniformizados. Igualitos. Formiguinhas…