A Ilha do Lenine
Sabem por que adoro fazer pesquisa? Pois você sempre acaba topando com algo inesperado. Algo totalmente UAU! Algo que te faz jubilar. Pulei portanto de alegria quando tropiquei com um livro escrito por Lenine Avi. Descobri que ele e o Meirelles foram amigos e acredito que tenham aprontado poucas e boas na Ilha do Mel. Acredito? Não… Sei que aprontaram pois está escrito no livro.
Ler Saúde e Felicidade ao teu alcance (Editora Beija-flor, 1981) suscitou em mim vários emoções.
Um
Claro que ler um livro que fala do lugar onde você passou tua infância te dá arrepios. Só de olhar para a capa do livro você pensa na dita cuja da madeleine de Proust. O que te faz lembrar que tua amiga Fran te trouxe um bolo de cenoura, o que te leva a parar de escrever para comer o bolo. Daí, você lembra que você leu um artigo esta semana que questiona o que é ser proustiano. Você engole o resto do bolo, relê o artigo e percebe que, modéstia à parte, o teu projeto é totalmente proustiano. Você jubila de novo, quase chega a babar de prazer. Então você resolve voltar a escrever e constata que o livro de Lenine Avi é um pouco como La Recherche du temps perdu, ele ecoa na intimidade de cada um (quem leu o artigo citado acima vai entender).
O livro ecoou em mim. E se você freqüenta a Ilha do Mel vai ecoar em você.
Dois
Preciso fazer uma digressão. Mais uma? Sim.
Quando fui comer o bolo tirei uma foto para pôr nas redes sociais agradecendo a Fran, não só por me alimentar mas também por alimentar minhas lembranças. Escutando o CLIC quando apertei o botão, não pude não pensar nesse hábito que temos hoje de fotografar e pôr na rede os mínimos detalhes insignificantes de nossa existência. Não se preocupe, eu não vou escrever sobre a demência de nossa sociedade. Ufa.
Vou falar sobre a fotografia. O livro de Lenine é um verdadeiro álbum de fotografias. Me explico. Olhando uma foto isolada de um lugar querido, entre as trezentas mil fotos pseudo isoladas que você encontra nas redes sociais, teu coração até chega a bater mais forte. Talvez você até sinta um pouco de saudades, talvez você até queira estar naquele lugar… Mas daí, você passa para outra foto e esquece em uma fração de segundos o que você sentiu…
Agora, ler o capítulo Ilha do Mel, suas maravilhas e “mistérios” escrito por Lenine Avi, te leva imediatamente ao lugar querido. Quando o autor descreve a praia do Miguel e as Encantadas, você está lá com ele, pisando na areia e tirando o barro do bumbum pois você escorregou no Morro do Sabão. O livro ecoa tanto em você que você escreve novos capítulos com tuas histórias e com tuas lembranças. E a emoção não desaparece quando você vira a página…
Três
Impossível de descrever o que senti quando li a parte que fala sobre o Meirelles. Descobri inúmeras coisas e percebi o carinho que o Lenine Avi sentia pelo meu avô. Sinto não o ter conhecido pois me parece ser um ser único, bem do tipo de pessoa que o Meirelles gostava.
Eis aqui seu testemunho:
” São 40 minutos de passeio inesquecível até o Porto de Brasília, capitaneado pelo comandante Diamantino, autoridade incontestável da zona Central da Ilha.
(…) O Diamantino é também o proprietário do mais incrementado supermercado de Brasília, anexo ao bar onde os maiores mentirosos dos pescadores da Ilha vêm contar suas façanhas.
99 em 100 vezes que se chega ao boteco do Diamantino, dá-se de cara com o Meirelles, já a seus 70 a 80 graus. O Nanico passa 29 dias do mês na Ilha e 1 (o do pagamento) em Curitiba.
Depois de conhecê-lo e aturá-lo por mais de 40 anos, descobri recentemente que, no meio dos incontáveis defeitos, tem a grande qualidade de cozinheiro perfeito.
Sempre que estou na Ilha, forneço o peixe e o Nanico faz a peixada de se comer até ficar “torto”.
Além de peixada ele é cobra em arroz carreteiro, feijoada, macarronada e bacalhoada, que o pai era “portuga”.
Antes de ir para a guerra, serviu em Paranaguá durante um ano, tendo passado em liberdade apenas uns 2 ou 3 meses, durante esse ano.“
Não disse? Um dia conto para vocês sobre isso…
” Na guerra, seu comandante, um bom psicólogo, sabendo seu xodó por “tempo quente”, escalava-o para as patrulhas mais perigosas. Era seu braço direito, pau para toda obra.
Em nosso tempo de ginásio, nos intervalos das aulas, fazíamos peladas de futebol com bola de meia. O Nanico era um palmo menor que seus colegas, mas o único da nossa classe que entrava na pelada dos marmanjos. Vi algumas vezes o Nanico ser chutado com bola e tudo, mas nem chiava, voltando pra luta, solando a bola com os dois pés e sendo tratado de igual para igual pelos marmanjos.
(…) Outra figura que sempre encontro quando vou ao litoral é o famoso “Perigoso”. Se vou à Ilha pelo Pontal, lá está o Perigoso; se vou por Paranaguá, lá está o Perigoso.
— Você está me perseguindo, “o Cabra da Peste”? Ele num sorriso, que vai de orelha à orelha” (…)
Mas o que ele gosta mesmo é quando o Mozart diz:
— O Perigoso só tem um defeito: é torcedor do Seleto.
Depois das gozações com o Meirelles e Perigoso e com a “loirinha” nos tornando mais leves que tesoureiro flanando, vamos para casa antegozando a hora de “estraçalhar” a caldeirada de garoupa, que dona Maria, a mãe do Perigoso, está preparando.“
Não vejo a hora de ir para a Ilha e conversar com o Perigoso sobre isso…
Um privilégio ter passado a infância neste lugar, mágico e a certeza da presença de DEUS!!
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